Dentro desse exercício proposto, consideramos a subdivisão do grupo em pequenas células de trabalho e fizemos um sorteio entre o elenco a fim de deixar ao acaso a construção desses núcleos.
O núcleo ou célula de trabalho era composto por um ator criador e um relator.
Cada “figura” era acompanhada por alguém que seria responsável por descrever a sua trajetória nessa peregrinação pelas ruas ...
A tarefa desse relator era justamente escrever suas impressões durante a trajetória de construção e criação disso que estamos chamando de figura , mas que talvez venha a ser em algum momento uma referencia de personagem e dramaturgia teatral...
PRIMEIRO RELATO DE UMA "ATRIZ RELATORA":
RELATÓRIO EXERCÍCIO “FIGURA”
Ator figura: Mendes (Carlos Mendes)
Atriz relatora: Nataly Cavalcanti
Primeiro dia: CASA
Figura sinistra, algo de lobo, algo de homem, algo de demônio.
Acorrentado a uma cruz.
* Uma curiosidade: O ator, durante o processo de construção, no primeiro dia, cantou, em um dado momento, a frase: “acho tão bonito...” contrapondo com a figura feia/bizarra da qual ele criava.
A cruz está presa a ele, ou ele a cruz?
Segundo dia: RUA
O andar é pesado sobre calçadas esburacadas...
A cruz que carrega lhe pesa?
Ou é a corrente que lhe pesa?
O olhar da figura quase sempre se mantém no horizonte enquanto caminha.
As vezes pára, olha para o alto, ou para lua?
As velas da cruz se apagam com o vento...
Luz, luz..
Ele pára, tenta acende, algumas se mantém acesas, mas, por pouco tempo.
Passam carros, pessoas, crianças... crianças...
Elas param seu jogo de futebol e gritam alvoroçadas, grudadas nas grades do campinho:
“Sai diabo!!!”
“Vaza demônio!!!”
A figura, do outro lado da grade, os olha, parado... (algo de curioso?) depois se vai...
Pedras são lançadas.
O cão vem correndo e se depara com a figura, frente a frente. Latidos contínuos do cão... e ar de estranhamento da figura o observa parado, depois sai... e o cão a latir.
Adultos, eles quase se nunca se aproximam. Apenas comentam a distancia:
“Olha o satanás!”
“Que isso?”
“O diabo!”
Três senhorinhas sentadas na porta de uma casa observam a figura passar do outro lado da rua, uma delas exclama para as outras, com seriedade:
“Deus é mais...”
As outras riem.
Uma figura solitária.
Muitas vezes olha para cima.
Tenta acender as velas.
O farol, a faixa de pedestre, carros, muitos carros...
A figura atravessa um lado e pára na encruzilhada...
Ali fica, junto com o farol... e sua cruz.
(Ali houve um distanciamento do restante do grupo, a figura estava só, entre os carros... que passavam buzinando, gritando.. pessoas olhavam pela janela... despertou interesse.)
Um bêbado, sentado numa mesa de bar vê a figura e imediatamente uiva:
OOUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU!!!
*A única pessoa até então que relacionou a figura a um lobo.
Detalhe: havia uma lua linda no céu... fazendo link com a imagem do lobo.
Só.
Se apóia na cruz, parado, entre casas de rua escura.
Imagem:
A figura tantas vezes intitulada como demônio se depara com a igreja.
Ele para diante de seus portões fechados, olha os muros de cima abaixo com aquela cruz na mão, de costas para rua, depois olha por algum tempo para o céu e sai.
O vento apagou a última vela acesa.
Por um bom tempo caminha reto, sem olhar para os lados, no mesmo ritmo, algo de cansado.
Mais uma vez crianças:
“Sai diabo!”
“Vai embora coisa ruim”
Imagem:
Na treze de maio... a figura parada ergue a cruz, com algumas velas acesas, acorrentada ao seu pescoço de frente para rua, no fundo um portão grande e preto e o som de um rock tocando no bar ao lado.
(ar sinistro).
* Em geral as pessoas não se aproximaram da figura, a não ser as crianças que chegaram até a encostar, mas sempre com insultos.
Os adultos observam distanciadamente, comentam com outras, riem, às vezes fazem piadas.
O estranhamento maior ocorre quando não há mais pessoas grupo por perto, o que acaba por “confortar” quem está vendo por perceber que se trata de algum “evento” (teatro, carnaval, festa a fantasia).
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