terça-feira, 6 de dezembro de 2011

SEGUIMOS...

EXERCÍCIO :FIGURA/RUA/ESPAÇO...O MOVIMENTO ...


Atriz: Alline Sant'ana


Saída ou chegada


 

29-11-11

 

Quando tivemos o estímulo de pensarmos em uma figura-criatura logo me veio à imagem uma mulher gorda que limpa nomes, a relação com o argumento que iniciei em um exercício anterior foi apenas imagético, não criei uma gênese para este imagem, tanto que no primeiro dia de construção e experimentação da criatura no Casarão me detive à manipulação dos objetos, às sensações e ações proporcionadas pelo espaço, assim como, ao incomodo e às possibilidades que a vestimenta gerava. Ainda neste primeiro exercício me chamou atenção à dilação do olhar para os detalhes, para o silêncio e para o caminhar... Como se tudo fosse nosso a esta criatura e sendo esta uma suspensão entre o ator, a imagem e o espaço, sem a necessidade de uma relação linear ou lógica com o espaço.

 

30-11-11

Em um jogo: Quanto realmente nos permitirmos jogar e quanto optamos (consciente ou inconscientemente) por manipulá-lo?

 

Quando saímos em bando para a rua a primeira imagem que me fitou e que se “re-significou” foi o lambe-lambe no poste, quase sujo e quase rasgado, escrito LIMPE O SEU NOME. Já havia desistido da minha primeira imagem, pois percebi que ela sugeria uma ação e não apenas uma condição. Ex: a imagem de uma “mulher gorda” não carrega nenhum gestual, agora a imagem de uma mulher gorda que limpa nomes indica uma ação física: limpar nomes. A figura deixa de ser pura em sua condição, pois já exerce uma função social. Mas no momento não tive essa reflexão e seja apegada na idéia de que eu sabia uma ação, mas não a forma desta, logo, partia do nada.

 

A primeira mulher que conversei foi a Raquel Cabeleleira, perguntei o seu nome, ela demorou á me responder, ria, desconversava e depois me respondeu com outra indagação:

Raquel: - Pra quê?

Criatura: - Para limpá-lo.

Raquel: Oxe... Não tá sujo (risos). Muito obrigada. Pode ir embora.

Criatura: Não quer mesmo?

Raquel: (vendo a prancheta, a caneta e as outras criaturas) É pra anotar aí?!(risos) é Raquel meu nome. Olha lá o que vai fazer com ele.

Criatura: Só vou limpar. Grata!

 

Retomei uma ação que havia testado no casarão: trocar os óculos, sem ter uma condição ou motivação específica para este ato. Sentei-me no chão e espalhei todos os óculos na calçada. Trocava-os incessantemente, depois guardei todos e segui caminhada. Por todo o percurso era impressionante o número de lambe-lambes colados nos postes, nas paredes e nas caixas luz contendo os dizeres: Limpe o seu nome. Parecia-me que algo tinha que ser retomado. Voltei a observar o nome das pessoas que eram ditos na rua, os nomes de travestis e garotas de programa colados nos orelhões, tentava ligar para estes números a cobrar, apenas um atendeu e desligou antes de completar a ligação, então me sentei no chão do bar e chupei uma laranja.

 

O que gera a curiosidade? O que gera a pausa de apreciação? E o que resulta no estranhamento?

 

Estar neste entremeio é estar o tempo todo se dando rasteiras, se enchendo e se esvaziando. Sem controle tanto das sensações, das ações e reações, e da racionalização. Não há tempo para criar uma linda história com fina feliz, pois as intervenções, a continum ruptura da rua te leva para um espaço muitas vezes acrônico e incontrolável... O silêncio e o caos engravidam!

 

Na ponte a caminho da treze de maio, um moço com um celular na mão nos acompanhava, ofereci um óculos para ele a primeira vez que nos olhamos, ele não aceitou, ofereci outra vez que nos encontramos...ele sorriu e na terceira vez que nos encontramos ele aceitou. Em nenhum momento trocamos palavras, apenas gestos e onomatopéias.

 

Depois me com a sede, parava em todos os bares pedindo um gole de água. As pessoas me olhavam com suspeita (me deslocava do bando para realizar este pedido), pareciam não entender aquela figura estranha fazendo um pedido tão cotidiano, algo era friccionado.

 

Me deparei depois de uma ladeira, com um menino sentado no ponto de táxi, observando admirado aquele bando de criaturas que subia ladeira, quando sentei ao seu lado de pronto me recebeu, então eu disse:

Criatura: Esta bolsa esta cheia de óculos

Menino: Jura

Criatura: Juro...quer ver

Menino: Sim

Criatura: (mostrando a bolsa) Ta vendo...

Menino: Nossa

Criatura: Quer um?

Menino: Sim

Criatura: Qual é o teu nome?

Menino: Renan..

Criatura: É seu Renan

Menino: Jura

Criatura: Sim

 

Continuei a caminhada e na frente da igreja cujo nome é de uma santa que nunca ouvi falar, reencontrei o Renan que me disse que estava indo para casa do primo, então lhe entreguei um óculos e pedi para que entregasse ao seu primo. Ele aceitou de pronto e saiu saltitante com o seu óculos na sua mão direita e o óculo de seu primo na mão esquerda, gritando para todos o amigos que jogavam futebol na rua: TENHO QUE CORRER VOU PARA CASA DO MEU PRIMO, GANHAMOS ÓCULOS...DOIS!

 

Fiquei imaginando como essa história iria se desdobrar...

 

Quando percebi já havia dado meu óculos para um menino, meu cachecol para um cachorro, meu lenço para outro cachorro e tirei meu chapéu para beber uma cerveja com um homem que não acreditava em mulheres de chapéu vermelho.

 

Perdi minha caneta, tinha que anotar o nome do Renan, ao pedir a caneta perguntei o nome do garçom, dois nomes na lista de uma vez só... Comecei a pedir caneta em todos os restaurantes com a mesma estratégia, perguntava o nome da pessoa e depois pedia a caneta. Teve um homem que desconfiado me disse:

Homem: Para que quer saber meu nome?

Criatura: Para anotar aqui?

Homem: Pra que?

Criatura: Nada demais...

Homem: Não falo meu nome para estranhos

Criatura: Só limpá-lo

Homem: (observando o resto do bando que se aproximava) Ah... é teatro! Tinha que vir de Sab ou domingo tem mais gente, mais público para ver vocês, porque vocês se arrumam, se preparam para ninguém... Tem que valorizar mais o trabalho de você, porque o povo não quer saber de cultura não. Meu nome é Wesley

 

Na treze de maio entrei em uma pizzaria, sentei-me à mesa, a mulher perguntou o que eu queria... Disse que precisa ir ao banheiro, ela desconfiada me deu a chave... Eu entrei tirei a calça xadrez. Fiquei apenas com o vestido e sai correndo. Ela se assustou e depois foi até a porta ver o que acontecia.

 

Desci até um estacionamento, sentei-me ao lado do vigia e coloquei minha plaquinha no chão... Aos poucos um bando de crianças de me rodeou, fazendo inúmeras perguntas, lhes apresentei a bolsa de óculos, eles ficaram aproximadamente meia hora experimentando todos os modelos da bolsa.

 

Eu já estava ficando cansada e aos poucos meu cansaço se mistura a imagem em transformação da criatura. Tudo tinha outro significado, não mais a necessidade de gerar situações ou mesmo estar em um ritmo acelerado, mas permitir realmente olhar e ver as coisas, o cheiro, o movimento... Sem a necessidade de interferir, mas interagir... Mire, veja.

 

Já perto do casarão me deparei com uma faixa escrita: GREVE DE PADEIROS. Logo pensei: Nunca soube que padeiro fazia greve.

 

Enfim, chegamos ao casarão... Ainda reverberando todo o ritmo e histórias da rua.

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