Memórias trabalham com argilas
e fios desencapados
Seu ofício
mais antigo que a noite
é a escultura do nosso fim
Prendadas
as memórias têm as habilidades
perdidas
de Deus
Essas estranhas línguas
com espasmos e olheiras de betume
vestidas de dias, noites e intervalos
traídas horas do desabraço
gostam de adornar o que se teve
e espedaçar sobre o não tido
migalhas em neve, never, niente
forjam o tempo todo do tempo
deveriam
ser a principal imagem da folhinha
a t-o-t-a-l-i-d-a-d-e
dos calendários
Há memórias
que nunca foram convidadas
por isso as ruas elas confundem
e batem à tua porta
desorientadas
pedindo esmolas:
é preciso cuidado pra não oferecer o mesmo pão
o que seria jogado fora
Há memórias
de bafo quente e dentes branquíssimos
estremecem tudo o que se move sobre a terra
— a vingança —
orgulhosas e destras
brincam de dardo com a existência
crianças que não perdoam nunca
o abandono de incertezas
e como jogam cartas!
prestidigitadoras
adivinham
tudo o que traz a boca da noite
uma pergunta que antecede a chuva
os vidros embaçam, criam poças d’água
esticam as luzes
e botam todos os semáforos em vermelho
chegam assim no pé de uma orelha distraída
e assopram:
Como começar a contar
— para si, para eu, para mim —
a si mesmo?
I.Fornerón
Poemas do 2º Ato, 2010
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