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sábado, 12 de dezembro de 2009

CARREGO COMIGO

CARREGO COMIGO

Carrego comigo

há dezenas de anos

há centenas de anos

o pequeno embrulho.

Serão duas cartas?

sré uma flor?

será um retrato?

um lenço talvez?

Já não me recordo

onde o encontrei.

Se foi um presente

ou se foi furtado.

Se os anjos desceram

trazendo-o nas mãos,

se boiava no rio,

se pairava no ar.

Não ouso entreabri-lo.

Que coisa contém,

ou se algo contém,

nunca saberei.

Como poderia

tentar esse gesto?

O embrulho é tão frio

e também tão quente.

Ele arde nas mãos,

é doce ao meu tato.

Pronto me fascina

e me deixa triste.

Guardar um segredo

em si e consigo,

não querer sabê-lo

ou querer demais.

Guardar um segredo

de seus próprios olhos,

por baixo do sono,

atrás da lembrança.

A boca experiente

saúda os amigos.

Mão aperta mão,

peito se dilata.

Vem do mar o apelo,

vêm das coisas gritos.

O mundo te chama:

Carlos! Não respondes?

Quero responder.

A rua infinita

vai além do mar.

Quero caminhar.

Mas o embrulho pesa.

Vem a tentação

de jogá-lo ao fundo

da primeira vala.

Ou talvez queimá-lo:

cinzas se dispersam

e não fica sombra

sequer, nem remorso.

Ai, fardo sutil

que antes me carregas

do que és carregado,

para onde me levas?

Por que não me dizes

a palavra outra

oculta em teu seio,

carga intolerável?

Seguir-te submisso

por tanto caminho

sem saber de ti

senão que te sigo.

Se agora te abrisses

e te revelasses

mesmo em forma de erro,

que alívio seria!

Mas ficas fechado.

Carrego-te à noite

se vou para o baile.

De manhã te levo

para a escura fábrica

de negro subúrbio.

És, de fato, amigo

secreto e evidente.

Perder-te seria

perder-me a mim próprio.

Sou um homem livre

mas levo uma coisa.

Não sei o que seja.

Eu não a escolhi.

Jamais a fitei.

Mas levo uma coisa.

Não estou vazio,

não estou sozinho,

pois anda comigo

algo indescritível.

Drummond – A Rosa do Povo